quinta-feira, 2 de agosto de 2018

ESPECIAL: 29 anos de morte de Luiz Gonzaga



Gonzaga em sua hora do adeus

Em 1975, o Rei do Baião incomodado com o seu momento musical pediu ao compositor caruaruense Onildo Almeida, uma música que expressasse sua decisão de despedida da vida artística. A música detalhou um acontecimento que só viria a ser vivido 14 anos depois, quando Seu Luiz soltou um aboio de saudade.

(Foto: Jornal O Globo - 1989)


Antes que acabasse, a década de 1980 guardava uma surpresa triste para a música brasileira. Como num calendário de despedidas, uma das pessoas que esteve bem próxima de Gonzaga nos últimos 12 anos de sua vida, conta com emoção os detalhes daquele 1989, que para ele foi o mais difícil por ter sido o ano do agravamento da doença e todo sofrimento do Rei do Baião. Segundo Reginaldo Silva, que foi uma espécie de acompanhante especial de Gonzaga, “João faz tudo” como ele costuma dizer. “A despedida foi bem dolorosa”. Hoje ele é memorialista da obra de Luiz Gonzaga, levando a história e a música do artista através de caravana pelo Brasil.

“Lembro que ele veio em Exu pela última vez em 19 de maio de 89, acompanhado de sua segunda esposa, Edelzuíta. Nesse primeiro semestre, ele ainda passou por Caruaru onde recebeu homenagens ao lado do amigo Onildo Almeida... Daí por diante o adeus parecia mais próximo, e em 06 de junho daquele ano, ele fez seu último show no Teatro Guararapes no Recife’’. Naquele momento, com discurso de despedida, Gonzaga já agradecia ao povo como se adivinhasse sua triste partida. Relatos de dois anos antes evidenciam detalhes de momentos dolorosos que seriam vividos. “Foi um dos momentos mais fortes para mim, dizer que ele ficaria no Recife. Foi duro dizer, Seu Luiz, eu não vou te levar de volta”, acrescentou muito emocionado, o companheiro Reginaldo. Ele relembra que não pôde levar seu Luiz de volta para Exu pois ele precisava ficar na capital para se tratar. – “Esse momento aconteceu após um show na cidade de Belém de São Francisco, onde ele teve crises de pressão alta, durante tarde e noite. Posteriormente ficou no Recife para tratamento, exatamente com o médico que desenvolveu os estudos sobre sua doença”, relembra Reginaldo.

Morte, luto e orfandade na música

Gonzaga foi internado no dia 21 de junho no Hospital Santa Joana na Capital Pernambucana, onde passou 42 dias. Dali em diante sofreu com crises de pressão, agravamento do câncer de próstata e a osteoporose. Em meio ao sofrimento diário, as informações eram mínimas, e para aumentar a dor, Reginaldo conta relatos das enfermeiras. “Ele dizia que não o levassem a mal, mas para não gritar ou chorar ele preferia aboiar. Aqueles aboios emocionados na voz de Luiz Gonzaga”, se emociona.

Na quarta-feira 02 de agosto as 05h15 da manhã, o Brasil recebeu a notícia que o sanfoneiro de Exu tinha dado adeus a terra que ele sempre cantou. Agora a letra de Onildo faria jus ao seu cantador, como diz alguns versos da canção: “Sua sanfona, a sua voz e seu baião, o seu chapéu de couro e também o seu gibão, ele juntou tudo e deu de presente ao museu, pois era a hora do adeus de Luiz Rei do Baião”. A partir daquele momento, o estacionamento do Hospital foi tomado por personalidades da imprensa, artistas e o povão de quem ele muito gostava. O sentimento de luto se espalhou pelo país na manhã daquela quarta-feira 02 de agosto, quando o Brasil soube da morte de Luiz Gonzaga do Nascimento, o sanfoneiro de Exu. Prefeituras decretaram luto por três dias, entre as entidades, a igreja católica foi uma das que mais sentiu a perda, pela ligação que Luiz tinha com a religiosidade. Sem contar com o sentimento de tristeza que tomou conta dos artistas da época, especialmente os forrozeiros, e a grande comoção do povão nas ruas, que segundo o Historiador Daniel Silva, o sentimento de luto foi geral. “Não tem quem não sentisse a morte de Gonzaga. Era o representante do Nordeste que dava adeus”. Para evidenciar a comoção do povo, é possível sentir o amor deste mesmo povo pelo seu sanfoneiro, no relato contado por Reginaldo, que passou todo o velório sem se alimentar. “Passei 22 horas ao lado do caixão em Exu, inclusive tem uma foto onde estou eu, Chiquinha Gonzaga irmã dele, Edelzuita sua segunda esposa, e lá estou sem comer, sem dormir, e nem água eu bebia”, finalizou emocionado.





Modernidade

Na relação entre o velho e o novo, do tradicional com o moderno, a arte desse sertanejo que cantou do sertão ao cais, é tema de um dos museus mais modernos e interativos da América Latina, o Cais do Sertão, fundado em abril de 2014. O equipamento é referência no mundo, conta com um acervo digital e físico de todos os passos do Rei do Baião, além de suas vestes e arquivos musicais, o local conta com uma gama de possibilidades de interação entre obra e espectador, o que deixa o visitante ainda mais próximo do artista e de sua arte. O museu mostra como é possível o visitante conhecer a história e ainda fazer parte dela. E tem sido objeto e laboratório de grandes pesquisas sobre Luiz Gonzaga, sua obra e o sertão o qual ele decantou. O ambiente fica localizado no Recife Antigo, no conjunto histórico do Marco zero, local que foi palco de muitas apresentações do sanfoneiro, que agora ganhou uma representação moderna e tecnológica do seu trabalho.

(Foto: Cais do Sertão)

Diante dessa ligação que a história de Gonzaga faz nessa travessia entre um século e outro, é possível observar o quanto ele foi importante para a nação. Cantou a seca para os políticos enxergarem os problemas do Nordeste, cantou as cidades e suas belezas, cantou com os pássaros e fez protesto sem denegrir. Marcou presença na religiosidade sem ter cargo eclesial, preferiu o meio das feiras, aos grandes palcos, saiu do povo para o povo. Ao resumir a personalidade do Pernambucano do Século, Reginaldo Silva e Onildo Almeida em uma precisa afinação, falam de cargos que Gonzaga representou sem precisar exercer. “Foi político sem mandato, foi Papa sem igreja e Rei sem coroa”.

Despedida

Ao longo da vida, cantou muitas músicas que anunciavam a sua despedida. Mas na verdadeira hora de dar adeus, não houve letra para resumir momento tão triste, pois a obra era grande demais para ser resumida. Talvez a mais emblemática das letras, conta detalhes de um Gonzaga humilde e sensível que poucos conheceram de perto. É o que relata Onildo Almeida, compositor da canção “Hora do Adeus” em um de seus encontros com o Rei do Baião. “Ele passou aqui em casa dizendo que ia para o sertão e quando voltasse queria uma música para se despedir da vida artística. Quando voltou eu completei a letra que já havia sido iniciada por Luiz Queiroga, e cantei para ele. Gonzaga lacrimejou e ficou engolindo seco. Saiu, deu uma volta e eu fiquei pensando, será que ele não gostou? Eu fiquei aperreado, aí uns dez minutos depois, ele voltou e eu perguntei, o que houve Luiz? E ele disse: Fui respirar, a música é muito bonita e eu vou gravar! Gravou e não aconteceu, não vendeu”. Talvez tenha sido porque na história nunca existiu de fato uma “Hora do Adeus” para Luiz Rei do Baião.


“Saudade o meu remédio é cantar” – Luiz Gonzaga



Um Rei insubstituível (Onildo Almeida)

“Gonzaga eu diria e todo mundo sabe disso, é imortal, Gonzaga criou um ritmo novo, Gonzaga foi quem cantou o xote, o baião, o arrasta pé, a marchinha junina, o xaxado, tudo de música nordestina foi Gonzaga, o que já existia ele deu nome, tudo ele deu nome e por conta disso ele tornou-se o criador de tudo, quando ele quis deixar de gravar, lá fora começou a aparecer o forró, o forró só era tocado na sanfoninha e foi ele quem aperfeiçoou! Gonzaga ficou como criador de tudo isso, e como se tudo isso não bastasse ele colocou o nome de forró, tudo é forró. Para mim Gonzaga permanece, e é insubstituível, ele criou um estilo de música que já existia, mas ninguém sabia”. – Onildo Almeida



Por César França e Jessé Aciole





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